segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Pobreza bem-aventurada: convicção da necessidade de Deus

“A pobreza sociológica não é proclamada bem-aventurada por si mesma. Considerada em si mesma e como tal, ela seria um verdadeiro mal”, afirma o cardeal Geraldo Majella Agnelo.
O arcebispo de Salvador e primaz do Brasil comenta nesta segunda-feira, em artigo enviado à imprensa, sobre o Discurso da Montanha, no âmbito da leitura evangélica da liturgia desse domingo.

De acordo com Dom Geraldo Agnelo, a pobreza que é chamada bem-aventurada é a que vem da “simplicidade do coração, da convicção profunda da necessidade que o homem tem de Deus, da integridade da vida e da abertura aos outros”.

Ao abordar a bem-aventurança dos “mansos”, o arcebispo explica que “se trata de uma atitude muito vizinha da primeira bem-aventurança”, já que traz o sentido de “humildes, pobres, necessitados, pequenos”.

“A vida de Jesus é uma ilustração prática dessa bem-aventurança: Ele lutou contra a enfermidade, a fome e a dor, e ao mesmo tempo caminhou com segurança para a ressurreição”, explica.

Já a bem-aventurança dos “aflitos”, segundo o cardeal, deve ser compreendida “partindo do prêmio que a justifica: a consolação”. “A consolação é uma realidade messiânica, trazida pelo Messias, e abraça toda a dor pela qual o homem tem necessidade de ser consolado”.

Sobre os que têm fome e sede de justiça, Dom Geraldo explica que, “mais que uma atitude, aqui é chamada bem aventurada a tendência para desejar receber alguma coisa”.

“Homens que procuram a justiça, Deus a concederá aos que agora são oprimidos pela injustiça. A recompensa não é esperada somente para o momento do juízo final. A fome e a sede de justiça gritam para que cesse a atual injustiça. A esperança se vê satisfeita unicamente na aparição do Messias, que é chamado ‘Javé-nossa-justiça’”.

Ao abordar a bem-aventurança dos misericordiosos, o cardeal explica que sua conduta “está sobre a mesma linha da conduta de Deus: amor, compaixão, perdão, compreensão, ajuda”.

Bem-aventurados são ainda os puros de coração, pois Deus “está aberto a quem tem as mãos e o coração puros, uma pureza de vida, sem intenções distorcidas e inconfessáveis”.

“Os que trabalham pela paz entre os homens agem como Deus mesmo, porque Deus é o Deus da paz, que oferece a reconciliação ao pecador.”

E “os perseguidos por causa da justiça: a sorte que tocou ao Mestre toca também a seus discípulos, em todos os tempos”, afirma o cardeal.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A imensa obra-prima do arquiteto de Deus

Bento XVI fez a dedicação, em Barcelona, da basílica da Sagrada Família, uma das maravilhas da época moderna, planejada pelo arquiteto Antonio Gaudí, que está em processo de beatificação.

No último final de semana, Bento XVI esteve na Espanha para sua segunda viagem apostólica ao país. A visita se realizou em duas etapas: no sábado, dia 6, em Santiago de Compostela, para prestar uma homenagem ao apóstolo Tiago, evangelizador da Espanha, na celebração de seu jubileu. No dia seguinte, domingo, 7 de novembro, o Papa presidiu, em Barcelona, o rito solene de dedicação da igreja da Sagrada Família, a célebre obra prima de Antonio Gaudí, monumento símbolo de Barcelona e da Catalunha.

A Sagrada Família, cujo nome exato é Templo Expiatório da Sagrada Família, é uma das maiores obras primas arquitetônicas modernas. A obra de construção começou há 127 anos, mas ainda não foi terminada. Está prevista sua conclusão para o ano de 2030. Mas ainda que esteja incompleta, esta “catedral” já é uma das maravilhas admiradas pelo mundo inteiro, declarada patrimônio da humanidade pela Unesco: o único monumento que atrai mais de dois milhões de turistas por ano.

Muito além do seu valor artístico, enorme, a Sagrada Família possui um profundo significado religioso. Foi planejada como as míticas catedrais da Idade Média para ser, sobretudo, um extraordinário monumento à fé, um tratado teológico, um livro de pedra que explica Deus, a Criação, a história do homem. Seu autor, Antonio Gaudí, genial arquiteto e um santo singular, “materializou” nesta obra, à qual dedicou 40 anos de sua vida, a concepção teológica de Igreja, isto é, “lugar de celebração da eucaristia e do culto”, conceito que conquistou a admiração de Bento XVI, que desde sempre o manteve em suas diretrizes litúrgicas. Dentro da Sagrada Família, de fato não existe nada representado, nem sequer nas capelas laterais, que possa distrair a atenção do altar, do sacrário, da missa. As únicas três imagens presentes são a cruz, ou seja, Jesus homem-Deus; sua mãe, Nossa Senhora, e São José, ou seja, as duas pessoas que, com Ele, formam a Sagrada Família. 

As representações ilustrativas, com inumeráveis imagens e símbolos, estão todas no exterior da igreja e tecem uma história imensa de todo o mistério cristão, de acordo com o ciclo do ano litúrgico. Além das figuras dos santos, episódios bíblicos e escritos religiosos, Gaudí quis enriquecer cada detalhe com símbolos, emblemas, elementos da flora e fauna catalã para que essa igreja fosse o mais representativo possível do povo. Dizia: “Minha obra está nas mãos de Deus e na vontade do povo”.

O simbolismo é a essência principal da Sagrada Família: reveste-a, recobre, apresentando-se em todos os lugares e em todas as suas possíveis formas. Um simbolismo forte, dantesco, “parlante”. O cardeal Francesco Ragonesi, que de 1913 a 1921 foi núncio apostólico na Espanha, quando foi visitar a obra da Sagrada Família, ficou muito impressionado por este simbolismo e disse a Gaudí, que lhe mostrava o projeto: “O senhor é o Dante da arquitetura”.

“Antonio Gaudí dedicou-se completamente a esta obra prima”, disse o padre Lluís Bonet i Armengol, pároco da Sagrada Família. “Quando recebeu a encomenda deste trabalho, Gaudí era um jovem arquiteto, mas já muito famoso. Pouco a pouco, trabalhando neste projeto, se envolveu completamente até o ponto de abandonar todas suas outras tarefas que lhe davam fama e riqueza, para dedicar-se por inteiro a esta obra imensa com a qual queria celebrar Deus através dos séculos”.

O padre Lluís Bonet i Armengol é filho de um famoso arquiteto que conheceu Gaudí e trabalhou com ele e, além de ser pároco da Sagrada família, é também o vice postulador da causa de beatificação de Gaudí.

Quando esteja terminada, a igreja será, provavelmente, a maior basílica do mundo. Atualmente, a obra está 60% completa. Estão terminadas a nave central, o pavimento, os vitrais, o altar maior e o dossel. Para a chegada do Papa, aproximadamente 7.000 fiéis poderiam aceder ao interior da basílica sobre uma superfície de 4.500 metros quadrados.

A Sagrada Família possui três grandes fachadas, às quais Gaudí deu os nomes de Natividade, Paixão e Glória, cada uma com três portas que simbolizam as três virtudes teologais: fé, esperança e caridade.

A fachada da natividade está orientada à saída do sol e representa a vida. Tem estilo gótico, com infiltrações modernistas, inumeráveis elementos da natureza, da flora e fauna, tartarugas, caracóis, gansos, galos e corujas que fazem com que a obra esteja cheia de vitalidade.

A fachada da Paixão lembra a paixão e norte de Jesus e celebra a desolação, a dor: apresenta-se despojada de adornos, com formas simples e poucos ornamentos, que lembram o outono e o inverno.

A terceira porta, a da Glória, que inda não está terminada, está orientada ao meio-dia e celebra o homem na Criação.

A parte mais alta da basílica lembra um bosque com grandes árvores que se elevam ao céu. A ideia fundamental da inspiração arquitetônica de Gaudí estava ligada à natureza. Através do estudo de suas formas, que são ordem e beleza, a natureza conduz a Deus Criador. “Meu mestre é a árvore do jardim fora da minha janela”, costumava dizer Gaudí. “Tudo nasce do grande livro da natureza”.

“Gaudí desenvolvia sua atividade de arquiteto com um espírito profundamente religioso, imbuído de oração e adoração – diz o padre Lluís Bonet –. De acordo com ele, a criação querida por Deus não está terminada, mas continua através das criaturas que trabalham no espírito de Deus”. Dizia: “Todos os que buscam as leis da natureza para modelar novas obras colaboram com o Criador”.

O cardeal Ricardo María Carles Gordó, que, como arcebispo de Barcelona, apoiou muito a abertura da causa de beatificação e Gaudí, diz; “Ele soube encontrar na natureza novas fontes de inspiração para sua arte e assim nos mostrou sobretudo que a criação é obra do Grande Artista que é Pai, que criou todo o mundo como um presente ao Filho, ‘expressão de sua glória e imagem de sua substância’”.

De acordo como projeto, na parte alta da Sagrada Família existem 18 torres que se elevam ao céu. Torres com forma de agulhas, hieráticas, solenes e de várias alturas. Dez representam os quatro evangelistas e cada uma delas está coroada pelo tradicional símbolo de cada evangelista: o anjo, o boi a águia e o leão. A torre mais alta é a dedicada a Nossa Senhora, coroada com uma coroa de estrelas. E, finalmente, a torre de Jesus, que supera a todas em altura e está coroada por uma grande cruz. Esta torre é visível desde muito longe: de dia brilha graças aos mosaicos que a compõem; de noite resplandece pelas luzes projetadas desde as outras torres.

Nascido en Reus, na Catalunha, em 1852, Antonio Gaudí pertencia a uma família modesta de artesãos, fabricantes de objetos de cobre e aço. Dede pequeno, mostrou uma especial vivacidade intelectual e a família decidiu fazê-lo estudar. Durante oito anos freqüentou a escola dos esculápios em Reus e depois a Escola de Arquitetura de Barcelona. Para pagar os estudos, trabalhava enfrentando grandes sacrifícios. Formou-se em Arquitetura em 1878 e rapidamente abriu seu pequeno estúdio em Barcelona. O começo foi difícil, mas seu gênio era prometedor e em pouco tempo chamou a atenção como um dos jovens arquitetos mais originais e inovadores. Surpreendia e entusiasmava com belas ideias e, além disso, vanguardistas.Vários empresários ricos faziam sorteio entre eles para contratá-lo e, para eles, Gaudí realizou, não somente em Barcelona, obras que continuavam atraindo multidão de admiradores.

“Entretanto, era um arquiteto particular – diz o padre Lluís. Não tinha sede de lucro, nem de glória, mas ardia de paixão por seu trabalho, uma paixão que surgia de sua profunda fé religiosa e transformava seu trabalho em uma contínua oração. Dedicava a Deus toda sua obra e buscava deixar nela, inclusive ainda que fosse uma obra civil, um ‘signo’ religioso, uma estátua de Nossa Senhora, a cruz e similares. Às vezes brigava com quem tinha lhe encomendado a obra, porque a Espanha, no começo do século XX, era varrida por um forte vento anárquico e um socialismo ateu, anticlerical. Ele nunca se curvou às modas políticas ou ideológicas, preferia perder o trabalho”.

Em 1883, Gaudí recebeu a encomenda da construção da Sagrada Família, quando tinha 31 anos. “A obra já tinha começado – explica o padre Lluís –. Uma associação de devotos de São José, surgida em 1866, queria construir uma igreja dedicada à Sagrada Família. Mas os dois arquitetos do projeto inicial não entravam em acordo e foi necessário substituí-los por um terceiro. Foi escolhido Gaudí, que era o joven artista emergente”.

“Gaudí, ex-assistente de um dos arquitetos beligerantes, aceitou a encomenda e se apaixonou pelo trabalho, que acabou se convertendo na razão de sua vida. O arquiteto mudou o projeto inicial por um novo, surpreendente, estudado até os mínimos detalhes. Uma obra gigante, que requeria uma montanha de dinheiro, mas que só contava com as escassas ajudas da Associação de São José. E Gaudí agarrou-se a esse santo, de quem era devota. Rezava todos os dias ao santo, a quem proclamou administrador de sua obra e antes de morrer disse que a obra tinha sido realizada por São José”.

“Em alguns momentos, quando o dinheiro faltava, Gaudí teve de mendigar. Ia pelas ruas de Barcelona pedindo ajuda. Muitos pensaram que estava louco. Não conseguiam conceber que um homem com seu gênio, que tinha podido amealhar enormes riquezas se limitasse aos projetos que a que, talvez, nunca poderia terminar”.

“Mas Gaudí não se importava com as fofocas. Com a ajuda das oferendas de pessoas pobres, continuou construindo. ‘São José acabará esta igreja’, dizia. ‘Na Sagrada Família tudo é fruto da Providência, incluída mina participação como arquiteto’”.

Infelizmente Gaudí só conseguiu terminar uma parte do projeto. Em 7 de junho de 1926, enquanto caminhava pela cidade, foi atropelado por um bonde. Hospitalizado, morreu três dias depois, no dia 10 de junho, e foi sepultado na cripta da igreja que estava construindo.

“Da obra, tinha realizado, entretanto, todos os esboços e os ilustrara com milhares de desenhos e anotações – explica o  Lluís –. Seus colaboradores puderam continuar assim a grande obra. Mas durante a Guerra Civil o espírito ateu que dominava a Espanha levou a grupos de bandidos a rebelar-se contra a obra de Gaudí. Destruíram parte dos esboços, profanaram o túmulo do arquiteto e tentaram demolir a igreja em contrução. Acabada a guerra, os modelos, baseados em desenhos e fotografias, foram recuperados e o trabalho pôde ser reiniciado.

Hoje, Antonio Gaudí está reconhecido como um dos grandes gênios da arquitetura.  Le Corbusier o definiu como “o maior arquiteto em pedra do século XX” e Joan Miró como “o primeiro entre os gênios”. Sua fama não está ligada só à Sagrada Família, mas a muitas outras obras extraordinárias realizadas pelas várias cidades da Espanha, quando jovem. Obras que o tornaram famoso em todo o mundo e atraem multidões de turistas.

“Mas não é possível separar o Gaudí-arquiteto do Gaudí-cristão”, do homem profundamente religioso – sustenta o padre Lluís –. Nas atas do processo diocesano estão recolhidos muitos testemunhos de pessoas que o conheceram, e todos afirmam que foi um grande santo. Uma santidade clássica e muito surpreendente, dada a sua profissão e sua fama artística; uma santidade feita de oração, de sacrifícios, de pobreza, de caridade com os pobres”.

“Ainda que fosse uma celebridade, todas as manhãs se levantava cedo para ir à missa. Saindo de casa, passava sempre a uma estátua de Santo Antônio para rezar. Sua pobreza era absoluta. Não tinha sequer o que vestir. Ia como um vagabundo. Quando morreu sob o bonde, não foi reconhecido e os serviços de resgate o levaram ao hospital da Santa Cruz, um albergue construído para os mendigos. Acreditaram que fosse um vagabundo sem teto. A notícia da morte do grande arquiteto se espalhou pela cidade. Uma grande multidão assistiu ao funeral. Eram, sobretudo, pessoas pobres às quais ele assistia e ajudava. Um jornal de Barcelona,  La Veu de Catalunya, deu o título: Em Barcelona morreu um gênio! Em Barcelona, nos deixou um santo! Inclusive as pedras choram”.

“A fama de santidade de Antonio Gaudí sempre esteve viva em Barcelona. Imediatamente depois de sua morte, foi publicado um livro onde 17 famosos escritores recordavam o grande personagem. Todos destacavam sua santidade e um dos capítulos se intitulava O arquiteto de Deus”.

“Gaudí está sepultado na cripta da Sagrada Família e eu, como pároco desta igreja, vejo todos os dias pessoas que vão a esse túmulo rezar e muitas contam ter recebido, por intercessão de Gaudí, graças extraordinárias”.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Bento XVI: por que o atacam, por que o escutam

A polêmica gerada nos meios de comunicação pela revelação de fragmentos do livro de entrevistas com o Papa Bento XVI, onde se menciona o uso de preservativos, é exagerada. Essa é a opinião do jornalista e escritor vaticanista Aldo Valli, autor de “A verdade do Papa. Por que o atacam, por que escutá-lo” (La verità del Papa. Perché lo attaccano, perché va ascoltat), recém-publicado.

Para Valli, o livro de entrevistas de Peter Seewald com o Papa Bento XVI, "Luz do mundo", apresentado hoje no Vaticano, "não diz nada novo”.

"Na verdade, a atenção devia estar na forma nova, muito clara, com a qual o Papa expressa seu pensamento”, esclarece Valli, correspondente no Vaticano da TV pública italiana RAI.

Ele considera que, com a atitude dos meios de comunicação de centrar a atenção sobre o tema dos preservativos, “se corre o risco de obscurecer o resto do livro, no qual o Papa dá a entender muito bem como viver seu mandato (como um servidor e não como um líder) e qual é o objetivo de sua missão: aproximar novamente o homem de Deus”, afirmou o jornalista.

Ataques e manipulações

Por que tantas vezes a mensagem do Papa fica reduzida a temas polêmicos para a opinião pública? Valli responde: “porque o Papa é um pastor, um intelectual e um homem de cultura que fala da verdade. Também porque fala da justiça. Todos nós, fiéis ou não, devemos nos interrogar sobre este tema”.

Para ele, o Papa é um pontífice que às vezes parece perigoso para a opinião pública, “para quem não quer que exista a verdade, para quem não quer que haja justiça social”.

Inimigo da razão?

Joseph Ratzinger é frequentemente apresentado como um Papa fechado ao diálogo. Entretanto, Valli destaca em Bento XVI  precisamente a virtude contrária: a abertura em seus discursos ao tema da razão, um dos pontos fortes de seu pontificado: “Ele faz uma proposta de fundamental importância para nós e para nossos filhos”, assegura.

"O Papa pede que a cultura contemporânea ocidental reflita sobre o problema da separação entre liberdade e verdade”, acrescenta. Valli considera que o discurso do Papa pode ser “altamente desestabilizador para quem quer o relativismo, para quem pensa que a Igreja não ajuda”.

Um Papa impopular?

Aldo Valli se refere também à comparação que os meios de comunicação costumam fazer entre João Paulo II e a personalidade tímida de Bento XV. “É uma posição incorreta”, adverte.

"É verdade que Bento XVI  é diferente de seu predecessor, que ficava à vontade entre as multidões”. Mas isso traz algumas vantagens e “nos leva a usar outros instrumentos para conhecê-lo, como a leitura dos seus textos”, que revelam um “homem de grandíssima lucidez” e “maturidade interior”.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Questão da sexualidade: objetivo do Papa é superar visão mecânica

O bispo de Petrópolis (Brasil), Dom Filippo Santoro, afirma que o Papa, no recém-lançado livro-entrevista “Luz do Mundo”, de Peter Seewald, no trecho que gerou polêmica na mídia por abordar o uso do preservativo, trata de valorizar a sexualidade humana como expressão do amor.
Em artigo divulgado à imprensa nessa quinta-feira, Dom Filippo assinala que Bento XVI “reafirma a posição da Igreja na perspectiva de não banalizar a sexualidade reduzindo tudo à distribuição de preservativos sem a devida ênfase numa séria campanha educativa”.

O objetivo da fala do Papa, segundo o bispo, é “superar uma visão puramente mecânica da sexualidade e abrir a uma visão mais humana, que comporta a doação à vida do outro e não apenas uma droga para uma satisfação narcisista de si”.

“Trata-se de ampliar a afetividade e não de frustrá-la ou reduzi-la”, diz Dom Filippo.

“Assim o Papa se coloca na perspectiva da valorização da sexualidade humana como expressão de amor, responsabilidade e dom de si e não como redução do outro a objeto. Isso aprofunda e não reforma o ensinamento moral da Igreja.”

O bispo de Petrópolis recorda – no contexto das palavras de Bento XVI – que quando a prática sexual “representa um efetivo risco para a vida do outro, e somente neste caso excepcional, o uso do preservativo, reduzindo o risco do contagio, é um primeiro ato de responsabilidade, um primeiro passo para uma sexualidade mais humana”.

“Não estamos diante de nenhuma revolução na visão da moral cristã, mas sim diante de um aprofundamento do valor da sexualidade e do valor pleno da vida, que nasce do respeito da dignidade humana”, afirma.

Segundo Dom Filippo, o horizonte do Papa “é muito maior que a pura questão do preservativo”.

“O centro da mensagem do Papa nesta entrevista é uma proposta de esperança para a humanidade, que tem um horizonte grande e quer oferecer uma luz para o presente e o destino das pessoas”, afirma o prelado.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A autêntica arte sacra

A arte sacra tem a tarefa de servir com a beleza à sagrada liturgia. Na Sacrosanctum Concilium está escrito: “A Igreja nunca considerou um estilo como próprio seu, mas aceitou os estilos de todas as épocas, segundo a índole e condição dos povos e as exigências dos vários ritos, criando deste modo no decorrer dos séculos um tesouro artístico que deve ser conservado cuidadosamente”

A Igreja, portanto, não elege um estilo. Isso quer dizer que não privilegia o barroco ou o neoclássico ou o gótico. Todos os estilos são capazes de servir ao rito. Isso não significa, evidentemente, que qualquer forma de arte possa ou deva ser aceita acriticamente. De fato, no mesmo documento, afirma-se com clareza: “A Igreja julgou-se sempre no direito de ser como que o seu árbitro, escolhendo entre as obras dos artistas as que estavam de acordo com a fé, a piedade e as orientações veneráveis da tradição e que melhor pudessem servir ao culto” . Torna-se útil, portanto, perguntar-se “que” forma artística pode responder melhor às necessidade de uma arte sacra católica, ou, o que é o mesmo, “como” a arte pode servir melhor, “desde que sirva com a devida reverência e a devida honra às exigências dos edifícios e ritos sagrados”.

Os documentos conciliares não desperdiça palavras, e elas dão diretrizes precisas: a arte sacra autêntica deve buscar nobre beleza e não mera suntuosidade, não deve contraria a fé, os costumes, a piedade cristã, ou ofender o genuíno sentido religioso. Este último ponto vem explicitado em duas direções: as obras de arte sacra podem ofender o sentido religioso genuíno “pela depravação da forma, que pela insuficiência, mediocridade ou falsidade da expressão artística” . Requer-se da arte sacra a propriedade de uma forma bela, “não depravada”, e a capacidade de expressar de forma apropriada e sublime a mensagem. Um claro exemplo está presente também na Mediator Dei, em que Pio XII pede uma arte que evite “o realismo excessivo por um lado e, por outro, o exagerado simbolismo” .

Essas duas expressões referem-se a expressões históricas concretas. Encontramos de fato “excessivo realismo” na complexa corrente cultural do Realismo, nascido como reação ao sentimentalismo tardio romântico da pintura de moda, e que podemos encontrar também na nova função social assinalada ao papel do artista, com peculiar referência a temas tomados diretamente da realidade contemporânea, e também a podemos relacionar com a concepção propriamente marxista da arte, que conduzirão as reflexões estéticas da II Internacional, até as teorias expostas por G. Lukacs. Além disso, há “excessivo realismo” também em algumas posturas propriamente internas à questão da arte sacra, ou seja, na corrente estética que entre finais do século XIX e inícios do XX propôs pinturas que tratam de temas sagrados sem enfrentar corretamente a questão, com excessivo verismo, como por exemplo uma Crucifixão pintada por Max Klinger, que foi definida como uma composição “mista de elementos de um verismo brutal e de princípios puramente idealistas”.

Encontramos em contrapartida “exagerado simbolismo” em outra corrente artística que se contrapõe à realista. Entre os precursores do pensamento simbolista podem-se encontrar G. Moureau, Puvis de Chavannes, O. Redon, e mais tarde aderiram a essa corrente artistas como F. Rops, F. Khnopff, M. J. Whistler. Nos mesmos anos, o crítico C. Morice elaborou uma verdadeira e própria teoria simbolista, definindo-a como uma síntese entre espírito e sentidos. Até chegar, depois de 1890, a uma autêntica doutrina levada adiante pelo grupo dos Nabis, com P. Sérusier, que foi seu teórico, pelo grupo dos Rosacruzes, que unia tendências místicas e teosóficas, e finalmente pelo movimento do convento beneditino de Beuron.

A questão se esclarece mais, portanto, se se enquadra imediatamente nos termos histórico-artísticos corretos; na arte sacra, é necessário evitar os excessos do imanentismo por um lado e do esoterismo por outro. É necessário empreender o caminho de um “realismo moderado”, junto a um simbolismo motivado, capazes de captar o desafio metafísico, e de realizar, como afirma João Paulo II na Carta aos Artistas, um meio metafórico cheio de sentido. Portanto, não um hiper-realismo obcecado por um detalhe que sempre escapa, mas um sadio realismo, que no corpo das coisas e rosto dos homens sabe ler e aludir, e reconhecer a presença de Deus.

Na mensagem aos artistas, diz-se: “Vós [os artistas] ajudastes [a Igreja] a traduzir sua divina mensagem na linguagem das formas e das figuras, a fazer perceptível o mundo invisível”. Parece-me que nesta passagem toca-se no coração da arte sacra. Se a arte, da forma à matéria, expressa o universal mediante particular a arte sacra, a arte a serviço da Igreja, realiza também a sublime mediação entre o invisível e o visível, entre a divina mensagem e a linguagem artística. Ao artista se pede que dê forma à matéria, recriando inclusive esse mundo invisível mas real que é a suprema esperança do homem.

Tudo isso me parece que conduz para uma afirmação da arte figurativa – ou seja, uma arte que se empenha em “figurar” como realidade – como máximo instrumento de serviço, como melhor possibilidade de uma arte sacra. A arte realista figurativa, de fato, consegue servir adequadamente ao culto católico, porque se funda na realidade criada e redimida e, precisamente comparando-se com a realidade, consegue evitar os escolhos opostos dos excessos. Precisamente por isso, pode-se afirmar que o mais próprio da arte cristã de todos os tempos é um horizonte de “realismo moderado”, ou, se queremos, de “realismo antropológico”, dentro do qual se desenvolveram, no tempo, todos os estilos próprios da arte cristã (dada a complexidade do tema, remeto a artigos posteriores).

O artista que queira servir a Deus na Igreja não pode senão medir-se como a “imagem”, a qual faz perceptível o mundo invisível. Ao artista cristão se pede, portanto, um compromisso particular: o de representar a realidade criada e, através dela, esse “mais além” que a explica, funda, redime. A arte figurativa não deve tampouco temer como inatual a “narração”, a arte é sempre narrativa, tanto mais quando se põe a serviço de uma história que sucedeu em um tempo e um espaço. Pela particularidade desta tarefa, ao artista se pede também que saiba “o que narrar”: conhecimento evangélico, competência teológica, preparação histórico-artística e amplo conhecimento de toda a tradição iconográfica da Igreja. Por outro lado, a própria teologia tende a se fazer cada vez mais narrativa.

A obra de arte sacra, portanto, constitui um instrumento de catequese, de meditação, de oração, sendo destinada “ao culto católico, à edificação, à piedade e à instrução religiosa dos fiéis”; os artistas, como recorda a já muitas vezes citada mensagem da Igreja aos artistas, “edificaram e decoraram seus templos, celebraram seus dogmas, enriqueceram sua liturgia” e devem continuar fazendo isso.

Assim também hoje nós somos chamados a realizar em nosso tempo obras e trabalhos dirigidos a edificar o homem e a dar Glória a Deus, como recita a Sacrosanctum Concilium: “Seja também cultivada livremente 'na Igreja a arte do nosso tempo, a arte de todos os povos e regiões, desde que sirva com a devida reverência e a devida honra às exigências dos edifícios e ritos sagrados. Assim poderá ela unir a sua voz ao admirável cântico de glória que grandes homens elevaram à fé católica em séculos passados”

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A especificidade da arte sacra

Que significa “arte sacra”? A definição do conceito de “arte” é muito complexa. Difícil é também a conotação da noção de “sacro”. Obter uma resposta à pergunta inicial mediante a soma das definições do substantivo “arte” e do adjetivo “sacro” é particularmente árduo e, talvez, infrutífero. Fecundo, em contrapartida, é buscar a identidade da arte sacra nos documentos magisteriais, seguindo seu percurso quase topográfico, em que, mediante observações progressivas, descobre-se qual é o lugar e a finalidade específica da própria arte sacra.

Pode ser útil partir de um documento do Concílio Vaticano II, a Constituição Pastoral Gaudium et Spes, em que lemos: “dedicando-se às várias disciplinas da história, filosofia, ciências matemáticas e naturais, e cultivando as artes, pode o homem ajudar muito a família humana a elevar-se a concepções mais sublimes da verdade, do bem e da beleza e a um juízo de valor universal” .

A arte se coloca entre as disciplinas que elevam o homem, e portanto possui uma autêntica conotação humanística, entendendo o humanismo como cultivatio animi. Esta elevação da família humana acontece mediante o conhecimento do verdadeiro, do bem e do belo. Está clara a referência às características transcedentais do ser, quer dizer, a essas características possuídas por todo aquele que é enquanto é, ou seja, a verdade, a bondade e a beleza, que são perfeições compartilhadas por Deus com toda criação. Está também que a arte se define por uma singular relação com a beleza.

Dado que a noção de arte é muito vasta e plural, é útil fazer referência à distinção entre artes liberais (as artes teóricas, que não implicam um trabalho físico, como a poesia) e as artes mecânicas (as artes que implicam trabalho manual, como a escultura e a pintura). Contudo se trata de uma distinção que o Renascimento já demonstrou superar.

É necessário também enfrentar a distinção entre artes úteis e artes belas. As artes úteis estão dirigidas a fins práticos, enquanto que as artes belas estão dirigidas à beleza. A arte, portanto, vai-se precisando em sua identidade específica, por uma relação particular com a beleza. E é precisamente neste contexto das belas artes onde devemos buscar o lugar da arte sacra. De fato, a beleza da arte expressa a beleza do criado e, por isso mesmo, do Criador, e está portanto constitutivamente aberta em relação a Deus.

Dentro das belas artes se distingue a arte religiosa, quer dizer, uma arte que expressa um sentimento religioso. Dentro, ou melhor, no cume da arte religiosa encontramos finalmente a arte sacra. Aqui torna-se iluminador citar a Constituição sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, do Concílio Vaticano II: “entre as mais nobres atividades do espírito humano estão, de pleno direito, as belas artes, e muito especialmente a arte religiosa e o seu mais alto cimo, que é a arte sacra”.

Poderíamos dizer que entre a obra de arte religiosa e a obra de arte sacra existe a mesma relação que une e separa uma poesia que fala de Deus e uma oração: também a oração é bela, como a poesia, mas tem uma identidade específica diferente. O adjetivo “sacro” atribui-se de fato ao culto, aos ritos, aos lugares, precisamente, sacris, e da mesma forma à arte sacra e suas obras. A arte religiosa converte-se em sacra quando está dirigida ao culto sagrado, ao rito sagrado, para que “sirva com a devida reverência e a devida honra às exigências dos edifícios e ritos sagrados”.

Portanto, a arte sacra é integramente arte, mas encontra sua identidade na sacralidade do rito ao que está destinada e que a molda por inteiro, de modo que uma obra de arte sacra deve ser de forma autêntica uma obra de arte, deve de fato estar íntima e completamente dirigida à sacralidade, deve-se fazer espelho das verdades da fé, deve-se fazer celebração e liturgia. Isso impõe uma conotação peculiar da própria obra de arte, tanto que nos documentos magisteriais encontramos também as indicações para distinguir ulteriormente a arte sacra em “autêntica” e “não autêntica”. Este caminho, que leva para uma arte não só bela mas também boa e verdadeira, realista sem exageros, simbólica sem abstrações, é tão importante que precisa de um tratamento à parte.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Unidade dos cristãos é "imperativo moral"

A unidade dos cristãos é um "imperativo moral" pelo qual se deve empenhar sem ceder ao desânimo e ao pessimismo, disse Bento XVI na tarde desta terça-feira, na Basílica de São Paulo Fora dos Muros.


O Papa presidiu à celebração de encerramento da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos.

Em sua homilia, o pontífice falou da necessidade de ser grato, pois nas últimas décadas o movimento ecumênico "alcançou avanços significativos, que tornaram possível chegar a um encorajador consenso e convergência em vários pontos, desenvolvendo entre as Igrejas e Comunidades eclesiais contribuições de estima e respeito mútuo, bem como a cooperação prática para enfrentar os desafios do mundo contemporâneo".

No entanto, ele reconheceu que "ainda estamos longe da unidade pela qual Cristo rezou e que se reflete no retrato da primeira comunidade de Jerusalém", uma unidade que "não ocorre só em termos de estruturas organizacionais, mas se configura, num âmbito muito mais profundo, como unidade expressa na confissão de uma só fé, na comum celebração do culto divino e na fraterna concórdia da família de Deus".

A busca do restabelecimento da unidade entre os cristãos divididos – disse o Papa – "não pode ser reduzida a um reconhecimento das recíprocas diferenças e à consecução de uma coexistência pacífica".

"O que nós almejamos é a unidade pela qual Jesus rezou e que por sua natureza se manifesta na comunhão de fé, dos sacramentos, do ministério”, e o caminho para alcançá-la deve ser entendido “como um imperativo moral, uma resposta a uma claro chamado do Senhor".

Por isso, "devemos vencer a tentação da resignação e do pessimismo, que é falta de confiança no poder do Espírito Santo".

"Nosso dever é prosseguir com a paixão o caminho para esse objetivo, com um diálogo sério e rigoroso para aprofundar o patrimônio comum teológico, litúrgico e espiritual; com o conhecimento recíproco; com a formação ecumênica das novas gerações e, sobretudo, com a conversão do coração e com a oração", disse.

Exemplo de São Paulo

No caminho da busca da plena unidade visível entre todos os cristãos – afirmou ainda o Papa – "acompanha-nos e nos apoia o apóstolo Paulo", de quem nesta terça-feira se celebrava a festa de sua conversão. Paulo, antes de Cristo aparecer-lhe no caminho para Damasco, “foi um dos mais ferozes adversários das primeiras comunidades cristãs".

Após sua conversão, “foi admitido não só como membro da Igreja, mas também como pregador do Evangelho, junto com os outros Apóstolos, tendo recebido, como eles, a manifestação do Senhor Ressuscitado e o chamado especial a ser instrumento eleito para levar o seu nome perante os povos".

Em sua longa viagem missionária, Paulo "não esqueceu o vínculo de comunhão com a Igreja de Jerusalém", incentivando a coleta em favor dos cristãos daquela comunidade como "não apenas um ato de caridade, mas o sinal e a garantia da unidade e da comunhão entre as Igrejas por ele fundadas e a comunidade primitiva da Cidade Santa, como sinal da única Igreja de Cristo".

"Unidos a Maria, que no dia de Pentecostes estava presente no Cenáculo junto dos Apóstolos, dirigimo-nos a Deus, fonte de todo dom, para que se renove para nós hoje o milagre de Pentecostes e, guiados pelo Espírito Santo, todos os cristãos restabeleçam a plena unidade em Cristo", disse.